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Crianças Selvagens e o Período Crítico para Aquisição da Linguagem

Este conteúdo foi produzido como parte da avaliação da Unidade Curricular Linguagem e Cognição do curso de Graduação em Letras da Unifesp, ministrado em 2017.2 pela Profa. Indaiá Bassani.


Estudos acerca de relações entre linguagem e cognição buscam responder, entre outras perguntas, em que consiste o conhecimento linguístico dos seres humanos e em especial como esse conhecimento é adquirido pelas crianças. A partir de uma perspectiva gerativista apresentamos algumas hipóteses acerca daquelas crianças que são privadas do convívio humano durante a infância e, por consequência, apresentam um desenvolvimento deficiente não só na aquisição de língua mas no desenvolvimento cognitivo.


Podemos citar vários casos registrados de Crianças Selvagens que podem dar suporte à teoria de Chomsky acerca do período crítico (mencionado pela primeira vez por Lennenberg, 1967) para a aquisição de Língua de forma natural. Estas crianças, ainda que expostas a exaustivas tentativas e diferentes técnicas, têm muita dificuldade em adquirir língua após a infância como veremos adiante a partir de um relato célebre, das chamadas Feral Children. Entretanto, há autores como Sampson (1997) que refutam esta hipótese afirmando que crianças nestas condições passaram por um sério trauma e esta poderia ser a causa na dificuldade com a linguagem a ser adquirida tardiamente para além da perda do suposto período crítico.


“A proposição chomskyana está pautada no inatismo e na ideia de que existe um dispositivo independente para a linguagem, exclusivo da espécie humana, de caráter altamente criativo. (...) O ser humano possui uma capacidade criativa para, a partir de alguns elementos restritos, expressar e compreender cadeias de forma irrestrita. A partir daí surge a proposta da existência de uma capacidade “gerativa” da linguagem.” (QUADROS e FINGER 2013) A teoria Gerativa, de base mentalista para a linguagem, observa como a criança em contato com qualquer língua natural, a partir do nascimento, e em muito pouco tempo a partir de dados limitados, não estruturados, não organizados e sem instrução formal é capaz de tornar-se fluente e criar sentenças complexas a partir de unidades menores (Problema de Platão-Problema de Projeção).


A aquisição da linguagem


A partir da publicação de de Quadros e Finger (Teorias de Aquisição de Linguagem 2013), apresentamos a seguir, de forma sucinta, o processo de aquisição da linguagem. Com a formulação do “Problema de Platão” Chomsky nos apresenta o entendimento de que da nossa determinação genética combinada ao ambiente em que há a interação com a língua em ambiente social resulta o uso que a criança faz da linguagem. “Crianças em diferentes partes do mundo, com experiências de vida completamente diferenciadas, passam pelos mesmos estágios de aquisição, o que sugere que a língua adquirida não seja aprendida, mas sim determinada por princípios linguísticos inatos (...)” (QUADROS E FINGER, 2013).


O processo de aquisição repete-se de forma bastante similar em comunidades linguísticas diferentes. Podemos observar fenômenos análogos que acontecem na seguinte ordem entre os 8 meses e terceiro ano de vida: o balbucio (inclusive em línguas de sinais),primeiras palavras, primeiras combinações seguidas de sentenças estruturadas. “(...) a criança que dispõem da GU (Gramática Universal) vai deparar-se com o ambiente (...) e vai adquirir a linguagem. Obviamente , a criança terá que aprender as palavras de sua língua para formar o seu léxico mental, mas os princípios que permitem o seu conhecimento da língua não serão aprendidos, pois já fazem parte de sua capacidade linguística.” (QUADROS E FINGER,2013).


O período crítico: o exemplo de Genie


Lennenberg (1967) baseado ao desenvolvimento biológico do ser humano concluiu que o período crítico teria início aos dois anos de idade e na puberdade teria esta janela cerrada para sempre. Chomsky, ainda sob uma perspectiva maturacional, “(...) baseia-se nas pesquisas relacionadas a outros módulos da mente humana. (...) Parece que a mente seria composta por módulos responsáveis por diferentes processamentos altamente especializados e que, provavelmente, passaria pelo mesmo tipo de amadurecimento. (...) Isso se aplicaria ao módulo da linguagem” (QUADROS e FINGER, 2013). A dificuldade apresentada por crianças privadas de linguagem evidenciam a plausibilidade do período crítico, ou seja, um período de tempo durante a infância em que a maturação do módulo de aprendizagem acontecerá haja ou não exposição a qualquer língua.


Após a puberdade há sim a aquisição de linguagem mas não se desenvolve ao ponto em que uma criança exposta alcança no período crítico de maturação. Genie não é exatamente um caso de criança selvagem. Encontrada em 1970, não viveu por 13 anos privada do convívio social e da linguagem por viver na floresta, mas em sua própria casa nos Estados Unidos, Califórnia. Temos aqui uma criança extremamente maltratada pela família. Quando encontrada, Genie usava fraldas, não podia andar ou falar. A menina de 13 anos e meio tinha a estatura de uma criança de 6 anos de idade. Após seu resgate, Genie aprendeu muitas palavras que nomeiam o mundo e demonstrava grande interesse por pessoas e o mundo ao seu redor. Não foi diagnosticada com qualquer forma de retardo mental pelos profissionais que a assistiam. “Ela aprendeu muitas palavras, tinha um vocabulário enorme, mas língua não é um amontoado de palavras, Língua é gramática, Língua são sentenças.” (tradução nossa) Susan Curtiss, Professora de Linguística na Universidades da Califórnia em Los Angeles. Depois de anos, Genie retornou ao lar materno (o pai suicidou-se), mas não houve adaptação. Devido a ações legais movidas, Irene, mãe de Genie, Susan Curtiss não pode continuar o acompanhamento de sua evolução. Genie vive em Los Angeles em um lar para adultos, que não é divulgado, protegida pelo estado da Califórnia.


Em documentário da TLC de 2003, o doutor Bruce Perry, membro sênior da Academia de Trauma Infantil explica que a parte do cérebro esquerdo de Genie, responsável pela fala e língua, não foram estimulados, e por isso ficaram menores, menos funcionais, desconectados e literalmente mudaram fisicamente. Este processo resultou do isolamento. Genie não ouvia língua, ninguém falava com ela. Sua mãe e irmão foram proibidos de interagir com a menina que foi trancada em um quarto aos 20 meses e libertada ao 13 anos de idade. “Genie demonstra que depois do período crítico, habilidades práticas ainda podem ser desenvolvidas mas o conhecimento estrutural da língua está perdido. Ela [Genie] sugere que a criança deve ser exposta à linguagem durante o período crítico, e que depois da puberdade a aquisição da linguagem não pode alcançar o seu ponto alto.” (SNOW, & HOEFNAGEL,1978).


Referências


MARTELOTA, Mario Eduardo. Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2015.


QUADROS, Ronice Müller de; FINGER, Ingrid (orgs.) Teorias de Aquisição de Linguagem. 2ed. Ed. Florianópolis: ed. Da UFSC, 2013.


The Critical Period for Language Acquisition: Evidence from Second Language Learning. Catherine E. Snow and Marian Hoefnagel-Höhle.Child Development.Vol. 49, No. 4 (Dec., 1978), pp. 1114-1128. Disponível em https://www.jstor.org/stable/1128751?seq=1#page_scan_tab_contents Acessado em

25/09/2017)


"Critical Period For Language Acquisition English Language Essay." UKessays.com. 11 2013. All Answers Ltd. 09 2017 < https://www.ukessays.com/essays/english-language/critical-period-for-language-acquisition-english-language-essay.php?cref=1 >. (acessado em 18/9/2017).


Genie Wiley - TLC Documentary (2003), disponível em https://www.youtube.com/watch?v=VjZolHCrC8E (Acessado em 25/9/2017).


Starved, tortured, forgotten: Genie, the feral child who left a mark on researchers. The Guardian (14/7/2106) disponível em https://www.theguardian.com/society/2016/jul/14/genie-feral-child-los-angeles-researchers (Acessado em 25/9/2017).

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