Como adquirimos linguagem? Críticas gerativistas à teoria behaviorista
Este conteúdo foi produzido como parte da avaliação da Unidade Curricular Linguagem e Cognição do curso de Graduação em Letras da Unifesp, ministrado em 2017.2 pela Profa. Indaiá Bassani.
A aquisição da linguagem está relacionada às competências biológicas inatas ao ser humano ou à experiência sociocultural de exposição à língua? Essa pergunta marca o antigo debate que gerou o termo Nature x Nurture (Natureza versus Cultura/Ambiente) cunhado pelo antropólogo Francis Galton (França, Ferrari e Maia, 2016).
Em latu sensu, o debate tem suas origens na Antiguidade Clássica. Segundo apontam França, Ferrari e Maia (2006), Sócrates defende que o ser humano tem conhecimentos inatos. Em seu diálogo com Mênon, o filósofo demonstra que seu servo tem conhecimentos de geometria que nunca lhe foram ensinados. Platão, pensando sobre o tema, traz o questionamento: “[...] como é que o ser humano pode saber tanto diante de evidências tão passageiras, enganosas e fragmentárias?” (SCAPA, 2009, p 208).
Em contrapartida, Aristóteles argumenta que os humanos aprendem somente pela experiência e por isso são folhas de papel em branco dependentes do ambiente externo para adquirir conhecimento. Essa divergência de opinião entre pensadores, em diferentes medidas e em diversos campos do conhecimento, seguiu-se por toda história do pensamento.
Atualmente, todas as teorias relacionadas à aquisição de linguagem admitem o aspecto inato relacionado ao processo de aquisição, assim como a necessidade de exposição à língua a ser adquirida. Portanto, contemplam ambos os elementos da dicotomia Nature x Nurture. Porém, antes das teorias atuais adotarem a complementaridade entre os dois pólos, surgiram outras focadas em apenas um elemento. Um exemplo é a teoria behaviorista que habita o lado nurture do debate.
Com surgimento datado no começo do século XX nos Estados Unidos, o behaviorismo (ou comportamentalismo), segundo Finger (2013), é uma abordagem psicológica cujo foco de estudos é o comportamento animal (seja humano ou não). O mesmo deve tratado através de dados passíveis de serem quantificados e registrados com rigor e objetividade. Dessa forma, aspectos mentais ou psicológicos do comportamento não são estudados, dando lugar à observação objetiva.
Nos moldes dessa teoria o comportamento está relacionado a estímulo, resposta e reforço. O estímulo gera a resposta que receberá um reforço positivo (que incentive a repetição da mesma) ou negativo (que suprime a repetição). Os comportamentos aprendidos são determinados através da exposição aos estímulos e reforços. Por exemplo, aprende-se (cria-se o hábito) a andar de bicicleta porque se tem o estímulo (bicicleta), a resposta (equilibrar-se e pedalar) e os reforços positivos (elogios como: “Parabéns! Você está pelando muito bem!) vindos do ambiente que consolidaram o esse hábito.
Para os behavioristas, como B. F. Skinner, a aquisição da linguagem ocorre da mesma maneira, pois é tratada de forma idêntica à aprendizagem de qualquer outro comportamento. Com uma abordagem que se assemelha à premissa aristotélica, Skinner considera o processo de aquisição da seguinte forma: a criança não possui nenhum conhecimento inato (“é uma tabula rasa”) e dependerá totalmente da quantidade e qualidade dos estímulos (input linguístico) do ambiente que a cerca para adquirir a língua. Segundo Santos (2010), para o behaviorismo o processo de aquisição é tido como indutivo e fundado na imitação, pois não considera a existência de componentes inatos que juntamente com a experiência resultem na aquisição da linguagem.
A proposta behaviorista, como aponta Finger (2013) contribuiu para a compreensão de como crianças adquirem comportamentos corriqueiros e simples da língua, porém mostra-se problemática e não comporta a complexidade do processo de aquisição. Muitos dos problemas da análise behaviorista, em específico a de Skinner, foram explicitados e contestados por Chomsky – que traz uma visão associada, porém não exclusivamente baseada, no lado nature do debate Nature x Nurture.
Um dos problemas é a questão da rapidez da aquisição da linguagem. De acordo com Scarpa (2009) o argumento de Chomsky é que num período de dois anos uma criança que foi exposta a um input fragmentado, incompleto e precário já constrói frases complexas que demonstram domínio de regras e, portanto de uma gramática internalizada. Conforme destaca Santos (2010), se o processo é dado por imitação (segundo o behaviorismo) seria necessário um período de exposição muito prolongado para criação de repertório e competência linguística.
Chomsky discorda que crianças sejam folhas de papel em branco e adota uma explicação inatista do processo de aquisição. Para ele, como indicam França, Ferrari e Maia (2006), as crianças nascem com órgão mental específico (que recebe o nome de Language Acquisition Device – LAD nas primeiras versões da teoria), que formula hipóteses a partir do input linguístico a que são expostas.
Esse estímulo (input) apesar de imprescindível não é rico, assim como não é consistente e didático. Esse fato mostra outro problema da teoria behaviorista apontado por Chomsky: o problema da pobreza de estímulo ou problema de Platão aplicado à linguagem.
Somente estímulo-resposta-reforço (pilares behavioristas) não explicam a aquisição de uma língua, pois “[...] o conhecimento da língua é muito maior que sua manifestação” (SCAPA, 2009, p 208). Um mecanismo inato geneticamente estruturado precisa existir e está vinculado à aquisição.
Chomsky em sua resenha sobre o livro de Skinner Verbal Behavior, além de criticar a aplicação de conceitos, estímulo, reforço e resposta — da forma como são apresentados e definidos por Skinner — à questão da linguagem, expõe a impossibilidade do aprendizado da língua através deles. Para ele é descabido que a aquisição aconteça só com observação, imitação dos estímulos e “cuidado meticuloso” dos pais para corrigir com reforços os comportamentos verbais aceitáveis ou não. O linguista destaca que muito do estímulo vem de fontes que não proverão o reforço, como televisão e leitura. E se o esforço fosse tão essencial, filhos de imigrantes não aprenderiam as sutilezas da língua do país atual através do contato com as crianças nativas do país e com a língua ouvida nas ruas (como se sabe que ocorre). Logo há processos inatos sendo acionados independente do reforço (feedback) provido pelo ambiente (Andrade, 2015).
Além desses problemas na teoria behaviorista podem-se destacar outros como a inconsistência com o postulado de um período crítico para a aprendizagem da língua. Se a aquisição ocorresse com base em estímulo-resposta-reforço, um ser humano de qualquer faixa etária seria capaz de adquirir qualquer idioma, desde que fosse a ele exposto e recebesse um reforço do ambiente. Porém, sabe-se que existe um período crítico (do nascimento até os três anos de idade) para aquisição da linguagem no qual a criança está muito apta para o desenvolvimento dela. Tal aptidão não é tão intensa nos segundo (três anos até a puberdade) e terceiro (após a puberdade) momento do desenvolvimento cognitivo (França, Ferrari e Maia, 2006).
Esses fatos – rapidez da aquisição, pobreza de estímulo e outros – que não são comportados pelo behaviorismo deram espaço para o desenvolvimento de teorias alternativas como a gerativista, que trata a linguagem com preceitos cognitivos e biológicos. Dentre elas tratar-se-á brevemente nesse texto da Gramática Universal (GU) de Chomsky e sua Teoria de Princípios e Parâmetros.
Conforme Scarpa (2009), para a teoria gerativista, a GU é inata e vai ser afetada pela experiência linguística juntamente com avaliação que a faculdade da linguagem fará do input recebido pela criança. Complementando, como diz Santos (2010), a criança tem na GU as regras de todas as línguas e selecionará as ativas em sua língua materna através da exposição a ela. Mas com Teoria de Princípios e Parâmetros divulgada por Chomsky em 1981 essa definição é aperfeiçoada em uma nova fase do modelo. A faculdade da linguagem passa a ser vista como um conjunto de princípios e parâmetros. Os princípios são invariáveis e se aplicam a todas as línguas igualmente. Um exemplo de princípio seria: “todas as línguas devem ter sentenças com sujeitos”. E o parâmetro seria: “o sujeito deve ser sempre explicitado ou pode ser omitido?”. Diferentemente dos princípios, os parâmetros são variáveis e vão ser marcados positiva ou negativamente de acordo com a exposição à língua. Dessa forma, as crianças marcarão parâmetros de formas diferentes conforme o input de sua língua. Por exemplo, pensar-se-á nos parâmetros criados a partir desses exemplos de input:
No português:
Ø Está chovendo
Você gosta de mim?
Ø Gosta de mim?
No inglês:
It rains
Do you like me?
Do Ø like me?*
No francês:
I’ pleut.
Est-ce que tu m’aimes?
Est-ce que Ø m’aimes?*
A criança francesa, americana e brasileira darão valores distintos para o mesmo parâmetro. Para a criança francesa e americana, o parâmetro será: “o sujeito deve está explícito sempre”. Segundo Kenedy (2013), pode-se dizer que o português tem como característica suportar frases com sujeito nulo, o que não é possível em francês e inglês, pois com a omissão do sujeito as frases tornam-se agramaticais (conforme exemplo acima). Embora o português suporte sujeitos nulos nem sempre o sujeito pode ser omitido, como no seguinte exemplo:
“Quando o sujeito é focalizado, tal como em respostas a interrogativas-Q com incidência sobre o sujeito, a realização fonética deste torna-se obrigatória:
1): Quem comeu a sopa?
2): a)*Comi.
b) Eu comi.” (JOANA, 2008, p 30, grifo meu, exemplo adaptado).
Kenedy (2013) afirma que o parâmetro a cerca do sujeito nulo será marcado positivamente em português ([+ sujeito nulo]), mas como mostrado com o exemplo acima, o português tem diversos casos em que o sujeito não pode ser omitido.
Por fim, assim como as teorias de Skinner geraram discussões e contestações, as de Chomsky também geraram questionamentos. Perguntas como: “No estado inicial da GU, um dado parâmetro já tem uma marcação especificada ou tem marcação alguma? É possível reparametrização?” (SANTOS, 2010, p 221) e muitas outras foram feitas.
Da mesma maneira que Chomsky discutiu as teorias de Skinner as deles também são discutidas. Esse constante questionamento e a busca por respostas são o que move e impulsiona os estudos linguísticos. O debate continua e continuará e só se ganha com ele.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMBULATE, Joana. A aquisição de sujeitos obrigatórios numa língua de sujeitos nulos. Dissertação de Mestrado em Psicolinguística — Universidade de Lisboa, 2008. Disponível em:
<http://www.clunl.edu.pt/resources/docs/Grupos/Linguistica_comparada/TECAPE/joan a%20ambulate%20-%20disserta%C3%A7%C3%A3o%20mestrado.pdf>. Acesso em 23 ago 2017.
ANDRADE, Otávio Goes. As críticas ao comportamentalismo de Skinner. Discussões sobre a linguagem humana. Londrina: Eduel, 2015
FINGER, Indrig. A aquisição da linguagem na perspectiva behaviorista. In: QUADROS, Ronice Müller de; FINGER, Indrig (orgs.). Teorias de Aquisição da Linguagem. 2ed. Florianópolis: Editora da UFSC, 2013. p 17-39.
FRANÇA, Aniela Improta; FERRARI, Lilian; MAIA, Marcus. O debate nature x nurture. In: . A linguística do século XXI: convergências e divergências no estudo da linguagem. São Paulo: Contexto, 2016. p 125-150.
KENEDY, Eduardo. Gerativismo. In: MARTELOTA, Mário Eduardo. Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2013. p 127-140.
SANTOS, Raquel. A aquisição da linguagem. In: FIORIN, José Luiz (org.). Introdução à linguística I . 6 ed. São Paulo: Contexto, 2010. p 211-225.
SCARPA, Ester Mirian. A aquisição da linguagem. In: BENTES, Anna Christina; MUSSALIN, Fernanda (orgs.). Introdução à linguística. Domínios e fronteiras, v. 2. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2009. p 203-229.